(João Monge / José Marques)
Aquela casa fechada
Não tem vasos na entrada
Nem se vê luz de uma vela
Dizem que a casa está morta
Já ninguém lhe bate à porta
Nem se assoma na janela
Às vezes passam rapazes
Para mostrar que são capazes
Jogam pedras ao telhado
Esse lar que ninguém quer
Já foi de homem e de mulher
Antes de ser condenado
Aquela casa fechada
Onde o sol tinha morada
E entrava sem bater
Já foi estimada por ti
Noutros tempos que eu vivi
E não consigo esquecer
No dia em que tu partiste
A casa ficou tão triste
Desde aí que não a vejo
Fechei a porta da escada
Fiz uma cruz na entrada
E mandei a chave ao Tejo
(Pedro da Silva Martins)
O nosso amor chega sempre ao fim
Tu velhinha com teu ar ruim
E eu velhinho a sair porta fora
Mas de manhã algo estranho acontece
Tu gaiata vens da catequese
E eu gaiato a correr da escola
Mesmo evitando tudo se repete
O encontrão, a queda e a dor no pé
Que o teu sorriso sempre me consola
No nosso amor tudo continua
O primeiro beijo e a luz da lua
O casamento e o sol de Janeiro
Vem a Joana, a Clara e o Martim
Surge a pituxa, a laica e o bobi
E uma ruga a espreitar ao espelho
Com a artrite, a hérnia e a muleta
Tu confundes o nome da neta
E eu não se onde pus o dinheiro
O nosso amor chega sempre aqui
Ao instante de eu olhar pra ti
Com ar de cordeirinho penitente
Mas nem te lembras bem o que é que eu fiz
E eu com isto também me esqueci
Mas contigo sinto-me contente
Penduro o sobretudo no cabide
Visto o pijama e junto-me a ti
De sorriso meio e atrevidamente
Ao teu pé frio, enconsto o meu quentinho
E adormecendo lá digo baixinho
Eu vivia tudo novamente
(Márcio Faraco)
Não tenho nada em meu nome
Somente o fado que faço
Meu coração não tem fome
Mora num pequeno espaço
Vive da vida que passa
De amores que vão e vêm
Nada possuo em meu nome
E nem invejo ninguém
Lamento
Se não me querias por mim
Não vias
O quanto sou rico assim
Um dia virás me dizer “não vivi”
Só posso ter pena de ti
Fortuna ganhei tanto quanto perdi
Não tenho posses, nem peço
De outras paixões já sobrevivi
Sei dos meus erros, confesso
Adeus, não olho pra trás
O tempo tudo consome
Perde-se o ouro, o amor se desfaz
Não tenho nada em meu nome
O tempo tudo consome
Não tenho nada em meu nome
(Pedro da Silva Martins)
Quis eu saber mais sobre o amor
E as suas mais intrincadas essências
Então fui à procura dessa tal palavra “amor”
E encontrei milhões de ocorrências
Quis saber um pouco mais ti
Do corpo que esse teu perfil encerra
Numa apurada busca depressa concluí
Há muitas mais marias cá na terra
Maria, era assim que eu recebia,
Ora prosa, poesia,
Mil declarações de amor
“Maria”, era como eu respondia,
“queria conhecer-te um dia”
E esse dia não chegou
Triste fui tentar saber de nós
Da fonte de um desejo delicado
E então deparei-me com uma frase só
“a procura teve ZERO resultados”
O mal só podia estar em mim
Um motor de busca pesquisou-me
E ficou logo claro porque te sumiste assim:
Há um tipo no brasil com o meu nome...
Maria, era assim que eu recebia,
Ora prosa, poesia,
Mil declarações de amor
“Maria”, era como eu respondia,
“queria conhecer-te um dia”
E esse dia não chegou
“Maria”, era como eu respondia,
“queria conhecer-te um dia”
Mas o nosso amor...
...crashou
(Maria do Rosário Pedreira / António Zambujo)
Bem te avisei, meu amor,
Que não podia dar certo,
E era coisa de evitar.
Como eu, devias supor
Que, com gente ali tão perto,
Alguém fosse reparar.
Mas não: fizeste beicinho,
E como numa promessa,
Ficaste nua para mim.
Pedaço de mau caminho,
Onde é que eu tinha a cabeça
Quando te disse que sim?
Embora tenhas jurado
Discreta permanecer,
Já que não estávamos sós,
Ouvindo na sala ao lado
Teus gemidos de prazer,
Vieram saber de nós.
Nem dei p’lo que aconteceu,
Mas, mais veloz e mais esperta,
Só te viram de raspão.
Vergonha passei-a eu:
Diante da porta aberta
Estava de calças na mão.
(João Monge)
Vem dar uma voltinha na minha lambreta
E deixa de pensar no tal Vilela
Que tem carro e barco à vela
O pai tem e a mãe também
Que é tão tão sempre a preceito
Cá para mim no meu conceito
Se é tão tão e tem tem tem
Tem que ter algum defeito
Vem dar uma voltinha na minha lambreta
Vê só como é bonita, é vaidosa
A rodinha mais vistosa
Deixa um rasto de cometa
É baixinha mas depois
Parece feita para dois
Sem falar nos etecetras
Que fazem de nós heróis
Eu sei que tem um estilo gingão
Volta e meia vai ao chão
Quando faz de cavalinho
Mas depois passa-lhe a dor
Endireita o guiador
E regressa de beicinho
Para o pé do seu amor
Vem dar uma voltinha na minha lambreta
Eu juro que guio devagarinho
Tu só tens que estar juntinho
Por questões de segurança
E se a estrada nos levar
Noite fora até ao mar
Paro na beira da esperança
Com a luzinha a alumiar
(Pierre Aderne / Marcio Faraco)
Atravessei o oceano
Sem o teu amor de guia
Só o tempo no meu bolso
E o vento que me seguia
Venci colinas de lágrimas
Desertos de água fria
Tempestades de lembranças
Mas tu já não me querias mais, mais
Tu já não me querias mais
Procurei a terra firme
Em cada onda que subia
O sol cegava meus olhos
Toda a noite eu te perdia
Lá dentro no pensamento
Virou tudo nostalgia
Água, sal e sofrimento
Porque tu não me querias mais
Tu não me querias mais
Já era Agosto, quando acordei na praia
E vi chegar a primavera, fiz nova cama de flores
Lembrei de todas as cores, cantei baixinho pra elas
Hoje falo em segredo, nessa paixão esquecida
Pra não acordar saudade, pra não despertar o medo,
Pois um amor de verdade, sonha pró resto da vida.
Mas tu já não me querias mais,
Tu já não me querias mais…
Tu já não me querias mais…
(Fado Perseguição - Vinicius de Moraes / Carlos da Maia)
Ah, meu amor não vás embora
Vê a vida como chora
Como é triste esta canção
Não eu peço não te ausentes
Pois a dor que agora sentes
Só se esquece no perdão
Ah, minha amada perdoa
Pois embora ainda doa
A tristeza que eu causei
Eu peço não destruas
Tantas coisas que são tuas
Por um mal que já paguei
Minha amada, se soubesses
Da tristeza que há nas preces
Que a chorar te faço eu
Se soubesses no momento
Todo o arrependimento
Como tudo entristeceu
Se soubesses como é triste
Eu saber que tu partiste
Sem sequer dizer adeus
Meu amor, tu voltarias
E de novo cairias
A chorar nos braços meus
(Maria do Rosário Pereira / Ricardo Cruz)
Ensaiava eu meus fados
Quando entraste desabrida.
Nós não estávamos zangados,
Mas vi-te os olhos molhados
E o dedo apontado à ferida.
Disseste que não te ligo,
Que até esqueci onde moro;
Que só vejo o meu umbigo
E, embora viva contigo,
É com o fado que namoro.
Fiquei tão desconcertado
Por te saber infeliz
Que, mesmo desafinado,
Te pedi perdão num fado
Por tanto mal que não fiz.
Desde então, se estás carente,
De coração apertado,
Passas sem medo entre gente
E, sentada à minha frente,
Pedes que cante esse fado.
(Maria do Rosário Pedreira / António Zambujo)
Queria ser teu namorado,
Morar dentro dos teus olhos;
Perder-me nos muitos folhos
Do teu vestido encarnado.
Mas tu ficas à janela
Sem ver sequer quando eu passo;
E a tua frieza gela
O calor do meu abraço.
Queria pegar-te na mão,
Deixar-me levar às cegas;
Perder-me nas muitas pregas
Do teu vestido de Verão.
Mas tu nem olhas para mim
Não sabes que te desejo,
Deixas um gosto ruim
Na doçura do meu beijo.
(Pedro Luís / Ricardo Cruz)
És musa de beleza sem limites
Permites que o poeta em mim não cesse
Consentes ao oculto aparecer
No tudo que ofereces quando existes
Beleza assim de musa tal qual trazes
Arrebata o tonto olhar de quem avista
E arrisca ter a vida
Por um fio
Mas perco-me num assobio
Porque a vida é dela
És musa de beleza sem limites
Permites que o poeta em mim não cesse
Consentes ao oculto aparecer
No tudo que ofereces quando insistes
Em me inspirar
Aquilo que o teu silêncio explica
O destino traz para mim em labaredas
Veredas
Onde somes da visão
Descompassam o coração
Mas a vida é bela.
(João Monge / António Zambujo)
Como eu não sei rezar
Um dia pus-me a contar
Quantas estrelas há no céu
Comecei na tua rua
Naquela estrela que é tua
A estrela que deus te deu
Quanto mais estrelas contava
Mais o céu se iluminava
Mais luzinhas se acendiam
Nem o astro se cansava
Eram tantas que eu cegava
E era por ti que nasciam
Quando o coração da gente
Tem uma estrela cadente
Morre para nascer depois
Inventei uma oração
Que uma tivesse o condão
De nascer para nós os dois
Adormeci com a esperança
Até onde a vista alcança
Quando o céu é mais estrelado
Acordei à luz do sol
Afastei o meu lençol
E tu estavas a meu lado
(João Monge / João Gil)
Eu quero marcar um Z dentro do teu decote
Ser o teu Zorro de espada e capote
P'ra te salvar à beirinha do fim
Depois, num volte face vestir os calções
Acreditar de novo nos papões
E adormecer contigo ao pé de mim
Eu quero ser para ti o camisola dez
Ter o Benfica todo nos meus pés
Marcar um ponto na tua atenção
Se assim faltar a festa na tua bancada
Eu faço a minha ultima jogada
E marco um golo com a minha mão
Eu quero passar contigo de braço dado
E a rua toda de olho arregalado
A perguntar como é que conseguiu
Eu puxo da humildade da minha pessoa
Digo da forma que menos magoa
«Foi fácil. Ela é que pediu!»
(José Eduardo Agualusa / Ricardo Cruz)
Dentro de ti ouço passar
O queixume dum quissange
Uma guitarra que tange
Uma cuíca que ri.
Escuto o alegre pulsar
De Lisboa, Rio, Luanda
O murmúrio da Kianda
O cantar do bem-te-vi.
Dentro de ti vejo brilhar
Palavras, como um tesouro:
Vaga-lume, ardor, besouro.
Ouço-as em seu fulgor:
Auriflama, morança, vagar.
Palavras como um brinquedo:
Brucutu, malícia, folguedo,
Estropício, fagueiro, lavor
Dentro de ti ouço passar
O pregão da quitandeira,
A reza da benzedeira,
O golo do relator.
Escuto o alegre pulsar
D’Alfama, Leblon, Marçal,
Os tambores do carnaval,
O cantar do meu amor
(José Eduardo Agualusa / Ricardo Cruz)
O amor é inútil: luz das estrelas
a ninguém aquece ou ilumina
e se nos chama, a chama delas
logo no céu lasso declina.
O amor é sem préstimo: clarão
na tempestade, depressa se apaga
e é maior depois a escuridão,
noite sem fim, vaga após vaga.
O amor a ninguém serve, e todavia
a ele regressamos, dia após dia
cegos por seu fulgor, tontos de sede
nos damos sem pudor em sua rede.
O amor é uma estação perigosa:
rosa ocultando o espinho,
espinho disfarçado de rosa,
a enganosa euforia do vinho.
(João Monge | Alfredo dos Santos)
Não me dou longe de ti
Nem em sonhos eu consigo
Ter alguém no meio de nós
Só Deus sabe o que pedi
Para tu ficares comigo
E ouvires a sua voz
Só eu sei o que sofri
Quando sonhava contigo
E abria os olhos a sós
Sabes da minha fraqueza
Onde a faca tem dois gumes
Onde me mato por ti
É da tua natureza
Cortar-me o peito em ciúmes
E eu finjo que não morri
Mas é da minha tristeza
Esconder no fado os queixumes
E a cantar entristeci
À noite voltas de chita
Com duas flores no regaço
E tudo o que a Deus pedi
És tão minha, tão bonita
És a primeira que abraço
Aquela em que me perdi
Nem a minha alma acredita
Que me perco no teu passo
Não me dou longe de ti
Assim te quero guardar
Como se mais nada houvesse
Nem futuro, nem passado
De tanto, tanto te amar
Pedi a Deus que trouxesse
O teu corpo no meu fado
(Miguel Araújo Jorge)
Quero a vida pacata que acata o destino sem desatino
Sem birra nem mossa, que só coça quando lhe dá comichão
À frente uma estrada, não muito encurvada atrás a carroça
grande e grossa que eu possa arrastar sem fazer pó no chão
e já agora a gravata, com o nó que me ata bem o pescoço
para que o alvoroço, o tremoço e o almoço demorem a entrar
quero ter um sofá e no peito um crachá quero ser funcionário
com cargo honorário e carga de horário e um ponto a picar
Vou dizer que sim, ser assim assim, assinar a readers digest
haja este sonho que desde rebento acalento em mim
ter mulher fiel, filhos, fado, anel, e lua de mel em França
abrandando a dança, descansado até ao fim
Quero ter um t1, ter um cão e um gato e um fato escuro
barbear e rosto, pagar o imposto, disposto a tanto
quem sabe amiúde brindar à saúde com um copo de vinho,
saudar o vizinho, acender uma vela ao santo
Quero vida pacata, pataca, gravata, sapato barato
basta na boca uma sopa com pão, com cupão de desconto
emprego, sossego, renego o chamego e faço de conta
fato janota, quota na conta e a nota de conto
Vou dizer que sim ser assim assim assinar a readers digest
haja este sonho que desde rebento acalento em mim
ter mulher fiel, filhos, fado, anel, e lua de mel em França
abrandando a dança, descansado até ao fim
(Aldina Duarte / António Zambujo)
À janela corre o tempo
Na memória o esquecimento
E a vontade de ficar
Em teus braços distraídos
Entreabertos nos sentidos
Do teu corpo a meditar
O desejo que esqueci
Dorme agora ao pé de ti
No teu sonho a murmurar
Guardo a luz da tua pele
Duas rosas, vinho e mel
Quatro luas sobre o mar
Volto atrás nesta viagem
À procura da coragem
Que renasce de te ver
No regresso da saudade
Eu encontro a felicidade
Que por ti vou aprender
(Marcha Do Marceneiro - Carlos Conde / Alfredo Marceneiro)
É sempre tristonha e ingrata
Que se torna a despedida
De quem temos amizade
Mas se a saudade nos mata
Eu quero ter muita vida
Para morrer de saudade
Dizem que a saudade fere
Que importa quem for prudente
Chora vivendo encantado
É bom que a saudade impere
Para termos no presente
Recordações do passado
É certo que se resiste
Á saudade mais austera
Que á ternura nos renega
Mas não há nada mais triste
Que andar-se uma vida á espera
Do dia que nunca chega
Só lembranças ansiedades
O meu coração contém
Tornando-me a vida assim
Por serem tantas as saudades
Eu dou saudades alguém
Para ter saudades de mim